Dedicada à todos os meus amigos em cima do muro, aos residentes e aos que só passam de vez em quando para bater um bom papo.
Ei amigo,
Venho notado que você não anda legal ultimamente.
Está meio chateado ou é impressão minha?
Te vejo pelos corredores meio down, sem direção, com uma energia baixa… triste mesmo.
Cá entre nós, eu sei que a vida não está fácil. E não dá nem pra reclamar, né? Bom, a não ser que você queira ouvir um OPTDESTRUIUOBRASIL na orelha direita, ou tomar um FACISTARACISTANÃOPASSARÃO na orelha esquerda.
Você observa de longe o pessoal chingando muito no Twitter e pensa... “mas de onde saiu essa galera?? O que comem, onde vivem?”.
No grupo do whatsapp dos amigos de direita, abriu a boca e você é o petista #lulalivre. Abriu a boca no grupo da esquerda e você é o... quer dizer, esquece. Você não abre a boca nesse grupo.
Não tá fácil pra ninguém.
Mas olha só. Vou falar aqui baixinho, pra não causar muito rebuliço:
Você é um cara legal. Sensibilidade, serenidade, equilíbrio, paciência, resiliência, respeito. Peraí, deixa eu reelaborar. No mundo de hoje, desintegrado por dois polos insanos, você não é um cara legal. Você é essencial.
Essa voz que vos fala deve estar soando um pouco distante. Mas é porque você está com essa cabeça baixa, pregada no chão ou na tela do celular, rindo de nervoso da carnificina social das redes. Levanta a cabeça, porque essa voz vem de cima.
De cima do muro.
Se me permite, deixe-me divagar um pouco sobre esse lugar maravilhoso, mas que já vem num estalo carregado de coisa ruim.
O muro é sinônimo de blasé, passividade, apatia, falta de energia, indecisão, inação, isenção…
Até esse apelido que deram pra turma é sem sal. Enquanto os extremos foram batizados de deliciosos quitutes brasileiros, o povo que fica no meio tem que se contentar com... "Isentão”. Bleh.
Isso é definitivamente coisa do brasileiro. A imagem que vem no Google Imagens quando você digita “em cima do muro" é essa aqui:
Estou escrevendo essa história de cima do muro, mas ok. O importante é o que vem quando você digital “on top of the wall”:
É isso mesmo. John Motherfucker Snow e a maravilhosa Ygrette.
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Mas vamos lá - o que faz dessa turma em cima do muro tão especial?
Bom, tudo começa pela vista, meu amigo. Sobe aqui que vou te contar.
A beleza de sentar em cima do muro é que, la do alto, você consegue ver o que está rolando nos dois lados. Mais perspectiva, mais visão, mais contexto. Se você só vive de uma lado do muro, não dá pra saber o que acontece do outro lado.
O muro é um lugar pra resolver problemas complexos. Problemas que não tem lado, que matam rico e pobre, destroem preto e branco, corroem uma nação inteira e atrasam a ajuda de quem quer ajudar e estendem o sofrimento de quem precisa de ajuda. Esses problemas tomam todo tipo de cor, forma e slogan, mas consistentemente tem no seu íntimo os mesmos sentimentos sombrios: a descrença, a desesperança e o medo.
O muro é um lugar pra quem tem estômago. Porque amigo, a galera tá se matando la embaixo.
Verdade seja dita - tem muita gente perto dos dois que está cheia de ideia boa e fome de mudança. Mas até essas são arrastadas pra jogar pedras no outro lado. A minha suspeita é que elas foram assediadas pelo inimigo número um da turma em cima do muro.
Toda tribo que se preza tem um. A ameaça que justifica a sua razão de existir, o Coringa do seu Batman.
E o inimigo da turma é um que vem te consumindo de pouquinho em pouquinho, te corrompendo bem devagarinho, sem você perceber.
Esse inimigo é a insensatez.
Um inimigo sem contornos definidos, tão esfumaçado que é impossível marcar a ferro e fogo. Se alimenta de tudo aquilo que também nos define como humanos - nossos instintos de sobreviver, reproduzir e pertencer. E vive lá longe, no vale da falta de bom senso, do populismo, do autoritarismo e da ideologia cega.
E é aí, meu caro amigo, que mora o perigo. Quando a ideologia ignora os fatos e se debruça com cada vez mais força nos pensamentos do florentino Maquiavel, é um sinal de que bad times are coming.
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Acho que agora já podemos tocar no tópico mais delicado do nosso papo. Talvez o principal motivo da sua chateação...
Isenção.
Isento de ação…Ai meu coração, como dói.
Bernie Senders já falou: eu odeio o Centro. Porque o centro é o status quo, é melhorar um pouquinho aqui e um pouquinho ali, pra no final deixar tudo com está. E O CERTO É IR CONTRA TUDO ISSO QUE TÁ AÍ, TAOQUEI?!
Essa análise, como tudo nesse mundo de cortina de fumaça e gritaria, esconde uma verdade mais importante. Não é que a turma em cima do muro não toma iniciativa.
O problema mesmo é que eles são LERDOS.
Irritantemente lerdos. E você não pode ser lerdo nos dias de hoje. É pecado mortal, juntinho com a Raiva e a Luxúria.
Mas como se correr a insensatez pega e se ficar a ideologia come, vamos arregaçar as mangas pra explicar.
A turma em cima do muro vai tomar tempo avaliando o território. Se debruçar sobre a opção A e a opção B pra espremer dalí, com paciência, inteligência e criatividade, o C que ninguém tinha visto. Vai ficar parado na frente do preto e do branco dados como verdade divina pra descobrir um lindo azul escondido de olhares mais preguiçosos.
E aí, meu amigo, sai da frente. Porque o que vem não é só confiança - é o delicioso sabor de descobrir uma terceira via. Melhor. Mais poderosa. Mais transformadora!
E muito importante: muitas vezes a turma em cima do muro vai precisar de um amigo mais revolucionário pra fazer a coisa acontecer. E tudo bem. Chama ele pro muro, ele provavelmente já deve ter passado ali por perto mesmo. Abre uma cerveja, bate um papo. Olha pra galera e pra realidade do que está acontecendo dentro do busão, dentro de casa, no campo, no trabalho. E desce de lá melhor, pronto pra atuar, com mais eficiência e serenidade.
Com essa turma, não existe vez pra insensatez.
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Deu pra aliviar um pouco?
Eu espero que sim! O papo foi muito bom pra mim pelo menos.
Mas antes de descer, não esquece de contar pros seus amigos sobre essa turma.
Talvez fiquem um pouco irritados com a lerdeza, mas pode falar que eu garanto: a vista vale a pena.
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